terça-feira, 14 de junho de 2011

I'll be seeing you

A menina de vestido branco com florzinhas azuis vai continuar pra sempre lá, sentada num banco da cinelândia. De alguma maneira. Existirá sempre um modo. A menina vai levantar e caminhar, mas vai terminar sempre sentada no mesmo banco, esperando da mesma forma. Toda vez ele vai aparecer, e fazer os mesmos comentários, e eles vão falar das mesmas coisas e andar pelos mesmos lugares. Em algum lugar da memória das pessoas existe sempre alguma coisa que não vai morrer. Pode ser uma história meio inventada, ou talvez algo que não faça sentido. Pode ser uma recordação bonita, cheia dos floreios que só a mente consegue dar. Pode envolver um lugar, uma pessoa, uma palavra, ou tudo isso junto.

Era uma vez uma menina de vestido branco de florzinhas azuis, com suas botinas velhas e cansadas, sentada num banco da cinêlandia. "Duas horas e meia de atraso", ela pensou, enquanto acendia outro cigarro. Seus cabelos voavam com o vento, embrenhando-se frente aos olhos. Ela então, cansada de colocá-los no lugar, desistiu. Que ficassem ali então, embaçando a visão, se era o que queriam. Meia hora depois, ele apareceu. E jogou por terra qualquer possibilidade de reclamação assim que sorriu. Ela sorriu de volta, incapaz de comentar o fato de que estava a três horas sentada no mesmo banco, esperando ele chegar. "Foi divertido", falou, contando sobre o engraxate engraçado que havia dado um trato em suas botas. Não que tivesse melhorado muito o aspecto, mas foi realmente bom conversar com ele por alguns minutos. Contou também do Hare krishna que havia lhe vendido um livro. "Dê quanto acha que vale, qualquer dinheiro". Ela nunca sabia o que isso significava, e não seria capaz de lhe entregar moedas. Os dois riram do fato, pois ambos seriam mesmo incapazes.

É engraçado como certos dias guardam tantas recordações. E de como é meio impossível descrevê-los do início até o final, porque é tanta coisa que a gente perde a ordem dos fatos. Acho que um pouco da sensatez vai também embora: Toda memória boa parece ainda melhor, assim como as ruins parecem também muito piores do que realmente foram.

Aquela foi a última vez que ela chorou por alguém. Os olhinhos apertados, molhados, transbordando, olhando pra parede sem entender como poderia aquilo ser verdade. Mas era. E foi triste, bem triste. A última vez que chorou por alguém, porque antes disso é tão passado, e depois nada mais valeu lágrimas. Tudo parece um pouco mais superficial e sem sentido. Ou talvez tudo tenha sentido demais, e a gente não chora mesmo pelo que faz todo o sentido.

A menina de vestido branco com florzinhas azuis. E o vestido voava com o vento, e ela tentava segurar. Era engraçado, mas pra ela era apenas um motivo a mais para ficar nervosa. Não que ela soubesse porque ficava, mas o fato é que toda vez seu coração disparava, as pernas bambeavam e as palavras não saíam direito da boca. Mas ela nunca entendia, e não fazia mesmo questão.

Uma vez vi um cachorro morto na praia. Era madrugada e era paquetá, e é engraçado entre tantas memórias boas desse dia eu lembrar de uma coisa tão estranha. Havia vinho, e poesias e a lua. E a água que refletia o céu, fazendo com que o mar parecesse cintilante. E dança na beira da água, e dormir na areia. E acordar com dores por todo o corpo, mas que diferença esse tipo de coisa faz, se realmente valeu a pena?

Ganhei um livro de aniversário ano passado, e que eu me lembre foi o único presente que ganhei. Talvez eu tenha ganho mais coisas, não sei, mas o livro é a única coisa que me lembro. É uma compilação de poesias do Pessoa, e eu gostei tanto que carreguei o livro pra cima e pra baixo por tempos, fazendo compania pra chave de fenda no fundo da minha bolsa. E eu fazia questão de ler alguma coisa pra qualquer pessoa que me falasse que não conhecia nada dele. Porque eu não entendo como alguém pode não conhecer nada do Fernando Pessoa. Mas eu também não entendo porque ninguém sai por ai no verão virando baldes d'água na cabeça, então o mundo deve ser mesmo imcompreensível. Pois é.

E a chave de fenda continua lá. E paquetá continua lá, e vai sempre continuar (vamos excluir tsunamis e esse tipo de coisa da história, ok?). E o centro da cidade, e a cinelândia, e todas as coisas vão continuar. E eu vou lembrar de tudo cada vez que andar por lá, mesmo daqui a 10 ou 20 anos. Eu vou lembrar e sorrir, e continuar andando. Porque tem certas coisas que acontecem na nossa vida que são feitas apenas pra virar lembrança. As coisas todas continuam lá. O problema é que eu andei.

"I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day through..."

Um comentário:

Cristiane Campos disse...

Oi Dandara,

só hoje que eu vi o comentário que você fez no meu blog sobre a postagem do meu texto de estágio! Fico feliz que ele tenha te dado gás para levantar a cabeça e prosseguir! eu realmente estava afastada do blog, mas retornei ontem, agora vou mantê-lo atualizado. Sempre que quiser, passe por lá e edeixe recadinhos. Ah, quando a você ter clado o meu texto no seu twitter, não tem problema não. Fique a vontade.
Beijos Cris! www.crizcampos.blogspot.com