domingo, 4 de abril de 2010

Sobre corpos

Um dia alguém me disse "Eu gosto do seu cabelo com cor de cabelo, das suas olheiras e dos seus dentes separados. São um charme. E você fica mais bonita quando veste roupa nenhuma". Eu fiquei revoltada porque tinha pintado o cabelo de preto, vestido uma roupa bem louca e me entupido de maquiagem. Mas ele era assim, natural, e gostava das coisas naturais. E eu nunca entendia, porque pra mim não podia mesmo ser verdade. Eu não entendia porque eu me escondia por entre as roupas, por entre as sombras escuras e os cabelos pretos. Eu não entendia porque eu ainda não tinha conseguido alcançar que a beleza das pessoas mora em qualquer lugar, menos nos lugares onde geralmente se procura. Porque todo mundo procura sempre nos mesmos lugares.

Todo mundo olha os dentes e não entende que é o sorriso. Olha os cabelos, mas não entende que é o jeito que eles mexem com o vento. Olha as roupas e não entende que mais lindo é o que está por baixo, e isso nada tem a ver com simetria ou perfeição. Tem a ver com tato, com encaixe, com aconchego. Tem a ver com costume, com essa magia toda de se acostumar e se sentir sem roupa mesmo que vestido. E se sentir confortavelmente vestido, mesmo que sem roupa. Porque é o que se sente que nos veste, e é também o que sentem por nós. Quando olham aqueles olhos de admiração, mais, muito mais que os olhos de desejo, a nossa alma se sente reconfortada. E sendo assim, quando chega o desejo a admiração já fez morada por dentro, e eles se fundem e se completam, e tudo fica mais lindo e grandioso.

Todo mundo corre atrás do amor, sem entender que o amor mora em todos os corpos, e que basta dar brecha pra que ele surja e cresça. Porque é muito mais perfeito simplesmente amar do que amar alguém. Quando a gente ama, o nosso corpo está aberto a todo esse maravilhamento, a toda essa energia. E quando a gente não se sente amado, se sente nu. E estar sem roupa na frente da pessoa amada se torna simplesmente estar pelado. Assim, sem magia, sem conforto. Se torna desconfortável e até um pouco incômodo.

Quando os corpos se conhecem e se percebem e se amam, mais até do que se amam as pessoas, apesar do tempo e de qualquer impossibilidade, é quase palpável a felicidade de ouvir coisas como "eu te acho a tentação em forma de gente". Porque significa muito mais do que desejo. Significa muito mais do que qualquer coisa. Não soa vulgar, não soa invasivo. É como dizer "Eu te amo" usando outras palavras. Porque é exatamente assim que o coração entende.

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