No topo da maior montanha da Terra das coisas sem volta moram as palavras. Elas habitam prédios enormes, arranhacéus (algumas habitam mansões). Elas se amontoam e sua população cresce mais e mais a cada dia. Elas não sabem bem como foram mandadas pra lá, mas sabem que não podem sair.
Existem diversos condomínios no alto da montanha. Em cada qual mora um tipo de palavra. Existem os condomínios onde repousam confortavelmente os "eu te amo" sinceros, outros onde se apertam aqueles ditos da boca pra fora. Existem condomínios povoados por ofensas (os mais lotados), e em alguns condomínios de luxo moram apenas citações importantes.
De vez em quando alguma palavra some, mas é uma coisa extremamente rara de acontecer. Normalmente somem os "eu te amo" da boca pra fora, que em algum momento, por motivo que desconhecem, deixam de ser importantes. Não é que eles simplesmente morram, mas mudam de categoria, e saem voando do alto da montanha. Eles se perdem no vento, sendo levados pela brisa até serem postos pra fora da Terra das coisas sem volta. Outra coisa extremamente rara, porém não impossível, é um "eu te amo" da boca pra fora ser elevado a categoria de sincero. Daí ele arruma as malas e muda da espécie de cortiço onde vive para um apartamente confortável no outro condomínio. É muito, muito difícil, mas já aconteceu.
O prédio onde moram as ofensas cheira mal. Ele cheira a arrependimento e remorso. É um cheiro acre, cheiro de vômito. O cheiro daquilo que colocamos pra fora sem motivo, e que embora desejemos muito engolir de volta, não é mais possível. As ofensas são a categoria mais permanente de palavras, as únicas sem nenhuma possibilidade de ir embora. Elas são também as mais rejeitadas pelas outras. Ninguém quer olhar ou falar com uma ofensa, nem elas mesmas. Então cada uma amarga a eternidade no seu cubículo, sozinha, esperando por um fim, um retorno que nunca chegará.
Porque por mais que exista o perdão (e muitas palavras também derivem dele e morem no topo da montanha), e ele seja muito poderoso, nem ele é capaz de apagar uma ofensa. As palavras que falam sobre desculpas sinceras moram em mansões isoladas do resto. Elas são amigas e dão festas. Elas sabem o quão raras são. No mesmo condomínio moram outras raridades como "eu errei", mas essas são mais reclusas e não participam de festa alguma: Elas passam todo o tempo tentando perdoar a si mesmas, normalmente em vão. Porque assumir o erro também não faz com que as ofensas desapareçam. E os "eu errei" se sentem mal por saber que um dia superlotaram ainda mais o condomínio delas.
É um mundo imenso, no topo daquele montanha. Um mundo imenso e que cresce sem parar. Porque de todas as coisas sem volta na vida, definitivamente as palavras são as mais fortes.
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