segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Ficar louco é se desprender

Ficar louco é se desprender. Você está no meio da rua, um sol de 40 graus, uma multidão de gente suada e tensa esbarrando em você, que tenta ignorar com a música aos berros nos ouvidos. Você vai andando devagar, enquanto a velocidade ao redor tenta inutilmente te levar. A vontade de gritar cresce por dentro. Mas você não grita, você engole o ódio, porque sabe que gritar seria loucura.

Ficar louco é se desprender. Você está no shopping num dia de domingo. As pessoas passam olhando as vitrines que mostram a última moda. Você está feliz, é domingo, o dia vai embora do lado de fora enquanto desperdiça suas preciosas horas olhando vitrines com coisas que você não vai comprar. É domingo e você sente vontade de parar e dançar, ali mesmo, no meio da praça de alimentação. Mas você não dança, porque sabe que dançar seria loucura.

Ficar louco é se desprender. Você está na aula, inquieto. A professora velha e feia fala as palavras como quem vomita após uma boa bebedeira: Involuntariamente. Ela repete a mesma aula massante a anos, e não se importa nem um pouco com a sua falta de interesse. Você cochila, e quando acorda ela fala olhando nos seus olhos. Aquelas palavras já não dizem nada, pois seu estado de letargia é tamanho que mesmo uma história infantil pareceria o mais complicado dos assuntos. Você sente vontade de estrangular a professora, pra que ela perceba ao menos que ainda está viva. Mas você não estrangula, pois além de loucura seria crime.

Ficar louco é se desprender. Você está no supermercado junto com uma porção de donas de casa desocupadas e mal comidas. Elas largam o carrinho em qualquer lugar, impedindo a passagem, e lhe respondem grosseiramente quando pede gentilmente que o retirem. Você está no supermercado e a fila do queijo não anda porque a velhinha na frente ignora o fato de existirem outras pessoas, e não decide se quer meio queijo ou um queijo inteiro. Você está lá e o atendente do açougue te informa que não pode moer a carne que você escolher. Você tem que levar aquela carne moída processada e estranha. Sua real vontade é jogar a bandeja de carne na cara do atendente. Gritar furiosamente enquanto corre derrubando todos os carrinhos no caminho. Se jogar em cima da pilha de cebolas podres que eles vendem ali. Mas você sorri. Você sorri e pensa "lugar de ser feliz não é supermercado". Porque ter qualquer outra atitude furiosa seria loucura, e você não quer que pensem que é louco.

Ficar louco é se desprender. E ninguém se desprende. O cidadão comum demora muito hoje em dia pra entrar em colapso. Melhor, ele entra. Ele entra e guarda tudo por dentro. Ninguém coloca nada pra fora e essa é a real loucura. Ficar louco é se desprender, e se desprendendo se fica em paz. Se você não liga pro exterior, ele não te faz mal, não afeta.

Mas ninguém quer ficar louco.

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