Mentira. Uma mentira. Uma única e inocente mentira. Não tão inocente assim, pois mentiras nunca o são. Uma mentira. É a única coisa necessária pra destruir uma vida, talvez duas ou mais. Talvez pra destruir apenas a vida de quem a contou. Porque mesmo que certas coisas nunca cheguem a acontecer por causa de tal invenção, a parte mais prejudicada será sempre a inventora dos fatos. É ela que não vai conseguir dormir a noite, tentando em vão descobrir um meio pra consertar o ocorrido. E quanto mais o tempo passa, mais inviável vai ficando a verdade.
Mentira. Eu já menti e me arrependo. Eu já inventei, reinventei, omiti. Omissão sempre parece menos pior do que mentira, mas não é. A omissão dói mais ainda por dentro, incomoda ainda mais. Eu já menti, e me arrependi amargamente. Eu fui atrás, eu consertei, eu disse a verdade e pedi perdão. Por alguns fui perdoada sinceramente, outros perdoaram apenas da boca pra fora, e terceiros nunca mais me dirigiram a palavra.
Mentira. Melhor conviver com a dor de uma verdade. Porque a verdade dói também, as vezes muito mais do que o contrário. Ela dói hoje, amanhã, mas passa. As verdades passam, como todas as coisas boas. Porque mesmo na dor que ela proporciona, ela é boa em essência.
Verdade a prestação. Tão ruim quanto uma mentira. Quando alguém conta algo hoje, inclui detalhes amanhã, mais detalhes na próxima semana. Vai doendo aos poucos, até um ponto insuportável, em que você chega a pensar que preferia não saber. Meias verdades. Ficam ali, rodando na cabeça, e cada vez que você sabe mais um pouco, começa a crer que vai existir sempre mais a saber.
Mentiras. As mentiras que contamos flutuam entre nossos pensamentos. Elas invadem a mesa do café, elas tiram o apetite na hora do almoço. Vão consumindo nossas idéias, até tomarem conta de tudo que somos. Impossível conviver com uma mentira por muito tempo. Porque ela corrói, como um câncer. Ela se espalha, a metástase é inevitável.
Mentir, omitir. O princípio de toda a dor consiste em uma das duas ações. E tudo vai se tornando uma grande bola de neve, porque uma coisa vai levando a outra, e assim sucessivamente. Impossível parar. A verdade escorre pelas mãos e tudo nos sufoca. Mentiras. Melhor viver sem elas, o quanto for possível. Todo mundo mente, todo mundo mentiu, e quem não mentiu um dia ainda mentirá.
Mentira patológica. Talvez toda a população sofra disso, em diferentes níveis. Quem pode julgar o limite, se esse julgador também mente? E o Doutor lá, com seus olhos de pompa e superioridade, diagnosticando uma mentirosa patológica. Ele, que trai a mulher, e anda pelos cantos mais obscuros da cidade. Ele, que odeia a vida que leva, odeia os filhos, despreza a esposa. Ele, que a noite dorme sonhando com a vida que não levou.
A verdade liberta. Porque mentir patológicamente é só levar ao extremo o que todo mundo faz. Mas a verdade, essa é a real loucura. Quem um dia resolver dizer tudo o que pensa, sem filtrar, será com certeza internado como louco. Porque o mundo, de uma forma ou de outra, não está preparado pra sinceridade nua e crua. O mundo quer a mentira, ele vive a mentira, dia após dia. Me chamem amarga, insana, o que for, mas eu prefiro o castelo de loucura da verdade, do que o calabouço cinza da mentira.
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