segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Visceral

Uma menina numa bolha. É uma redoma, um círculo, o mundo. O mundo dela, só dela. Uma menina numa bolha, ela respira o ar que tem lá dentro, isso sufoca. Ela come o lado de fora com os olhos, entristecida com sua incapacidade de pegar o alfinete do chão, estourar a bolha e sair. É disso que ela se alimenta, aliás: do mundo do lado de fora. As pessoas e os lugares e os ônibus, o trânsito, tudo vira alimento. Nem tudo faz bem a saúde, mas quem se importa com isso nos dias de hoje? Ela se importa, infelizmente. Queria mato e terra. Queria céu sempre azul e florzinhas na varanda. Se contentando com o que tem tenta inutilmente sonhar com o futuro. É difícil dormir com o ar rareado de dentro de sua redoma. Uma menina numa bolha sente o sol bater e refletir. Seus olhos brilham pro lado de fora, num tom indefinido. Tem dias que são tão cinzas, e porque? A menina se pergunta isso sempre. Uma menina. E a bolha e o ar e o sol e os sonhos e o jeito e o sorriso. Sorriu. Sorriu e parou. Havia aquela parede de plástico e magoa, de medo, de dor, de incapacidade. Sorriram de volta, sorriram sim que ela viu. Mas era difícil, era quase impossível. Era quase dia quando aconteceu. Alguém foi embora, ela acredita, sem conseguir abrir e morar lá dentro com ela. Alguém sempre vai embora, de vez em quando a própria. Sentou no chão, protegida por ele, o plástico. Sentou e ficou. Não quis mais levantar

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