quarta-feira, 3 de março de 2010

Walking in love.

Gostava bastante da expressão "falling in love", mas hoje parei pra pensar por algum tempo e percebi: Não faz sentido algum. A tradução em português para tal expressão é "se apaixonar". Ok, paixão é mesmo dessas coisas avassaladoras, nas quais a gente tropeça e cai. Paixão é o paralelepípedo na calçada quando estamos olhando pro outro lado da rua: Damos uma baita topada, que deixa nosso pé doendo por tempos. Mas algum tempo depois o pé melhora e esquecemos completamente de que um dia tropeçamos.

Analisando a tradução literal da expressão, "caindo no amor", a coisa começa a não fazer sentido. Amor pra mim definitivamente não é igual a paixão. Ele supostamente não dá e passa, não é uma topada nem uma coisa totalmente sem controle. Eu não quero cair, porque quando a gente cai perde completamente o controle da situação. Os segundos que levamos pra chegar ao chão parecem uma eternidade, e mesmo esse pequeno percurso já é doloroso. Vamos desengonçando até bater de bunda (ou de cotovelo, joelho, que seja) no chão, nos ralando e ficando cheios de hematomas. Paixão é uma mancha roxa, e eu passei anos tomando tintura de arnica pura para evitá-las.

Sendo assim, eu quero andar. I wanna walk in love. Porque amor é construção. A vida não é filme e eu entendi. O que todo mundo espera é uma paixão fervorosa e eterna, um daqueles finais românticos e açucarados, com beijos de tirar o fôlego e pinçar a coluna. Mas a queda continua sendo iminente. A possibilidade de um final infeliz após o final feliz continua existindo, firme e forte. E mais dia, menos dia ele chega. Chega e deixa a vida toda meio morta, porque colocar todas as expectativas em alguém só pode resultar em fracasso. O final infeliz chega e faz parecer que todo o tempo não valeu a pena. A paixão é egoísta, ela exige demais, ela precisa ser alimentada demais pra que dure, e ninguém é capaz de alimentar uma paixão pra sempre. Até as pesquisas dizem, é uma coisa química que dura de poucos meses a alguns anos.

E o amor? O amor é aquilo que na realidade não dão valor. É um conceito totalmente deturpado, porque as pessoas insistem em misturar com paixão. E assim elas preferem acreditar que vão sentir o coração disparar toda vez que verem o outro, e que isso é amor. Elas preferem acreditar que vão arder de desejo eternamente, e que isso é amor. Elas preferem crer que vão para sempre passar a maior parte dos seus dias pensando no ser amado. Mas isso, como eu já disse, é paixão. Amor é cuidado, preocupação. Amor me parece muito mais um conceito que um sentimento. É uma escolha, baseada em fatos (mesmo que as vezes não saibamos explicar muito bem que fatos são esses...rs...). Pode sim começar pela paixão, e normalmente nos dias de hoje começa, mas se não evolui não é amor.

Essa confusão entre sentimento x escolha detona qualquer relacionamento. A partir do momento em que a pessoa acredita estar com a outra por não conseguir viver sem ela, deposita nela uma carga pesada demais. Quando os dois lados pensam assim, é fato um fim sofrido e doloroso. Quando apenas um dos lados pensa, é mais sofrido e doloroso ainda. Como disse Renato Russo, "Se o amor é verdadeiro, não existe sofrimento". O sofrimento não vem do amor, vem das escolhas que cada um segue dentro do relacionamento. Ele vem quando a dependência se torna maior do que a admiração, o respeito e o carinho. Eu acredito que quando morre a admiração, o respeito morre logo em seguida, e já está sendo realizada a missa de sétimo dia do carinho. Esses sim são sentimentos, e caminham juntos dentro do pacote que se chama amor.

Com tudo isso, creio ter sido ingênua em algum dia pensar em amores eternos da maneira que pensava. Como se fosse possível ser deixado por alguém e continuar amando a pessoa eternamente. Isso não é amor, é falta de coragem pra seguir em frente e tocar a própria vida. Isso é fraqueza, e amor e fraqueza não devem nunca ser confundidos. Isso é muito bonito em filmes antigos, mas na prática é bem doído e sem sentido: Quando acabam de gravar a cena, a atriz volta a sorrir e vai embora. Na vida real a pessoa continua sofrendo até o fim. E tem algum sentido em sofrer? Em se abster de todas as coisas maravilhosas que a vida pode oferecer? Em se privar de viver novos relacionamentos, que podem nos mostrar um amor muito mais real e pleno do que o suposto amor anterior? Não, não tem sentido algum. O medo de levar outra porrada é muito grande, eu sei, mas não justifica a eterna falta de coragem de se entregar. E digo se entregar à vida, em todos os sentidos, e não somente a um novo relacionamento.

Sendo assim, amor pra mim é uma questão de escolha. É possível viver um amor eterno e incondicional, uma vez tendo em mente que não se estará apaixonado pra sempre. Tendo em mente que fases ruins acontecem e que as vezes nem queremos olhar pra cara da pessoa. Mas que se a gente acorda no dia seguinte disposto a voltar atrás e dar mais uma chance, é aí que mora o amor. Mora na paciência, na compreensão, na espera. Não a espera por se viver uma paixão eterna, mas na espera pra que a pessoa se adeque a nós, e para que nos adequemos a ela. Não num sentido ruim, naquele sentido de "mudar pra agradar o outro", isso nunca. Num sentido de entender as motivações, os desejos e anseios da outra pessoa, de conseguir expor os nossos e assim chegar a um consenso. Num sentido de ter capacidade pra ficar calado e escutar, sem julgar o que se está ouvindo, de esperar sua hora de falar. Mora na paciência porque existirão fases de distância, fases de raiva até, de "saco cheio" e tédio. Mas tendo paciência tudo passa, e com ela conseguimos manter nosso foco. E ele mora na compreensão porque sem ela não se chega a lugar algum, em qualquer tipo de relacionamento na vida. A compreensão é a fundação desse prédio chamado amor, e contando com ela os ventos vem e vão, mas nunca abalam a estrutura.

Não quero com isso tudo parecer fria, ou fazer parecer o amor uma coisa fria. Como se fosse tudo muito certo, muito metódico, excessivamente prático. Essa não é mesmo minha intenção. É só que sou muito mais facilmente seduzida pela imagem de um casal velhinho conversando na varanda do que pela imagem de um casal jovem se amando ardentemente. É só que eu sou muito mais carinho extremo do que desejo. Sou muito mais apertão na bochecha do que tapa na bunda. O desejo, o amor ardente e os tapas na bunda também são necessários, mas não devem estar no comando. Eles não devem fazer mais falta do que sonhos de varanda e cheirinho de biscoito pela casa. São pra mim partes muito, muito menos importantes do processo. São os lubrificantes do motor, mas sem combustível o carro não sai do lugar. ;)

"I could be handy, mending a fuse
When your lights have gone.
You can knit a sweater by the fireside
Sunday morning go for a ride,
Doing the garden, digging the weeds,
Who could ask for more?
Will you still need me, will you still feed me
When I'm sixty-four."

Beatles - When I'm sixty four

Um comentário:

Luke disse...

Perfeito! Totalmente perfeito! A paixão é algo que vale a pena ser vivido mas não vale a pena ser repetido. A paixão não é regra, ela é exceção e não deve ser fator primário na vida de ninguém, nunca. A paixão deve ser dirigida para outros lados com o tempo, como a arte ou o esporte e etc., e mesmo assim com moderação. Eu enxergo a paixão como um animal selvagem que você cria em casa, um leão por exemplo, que você pode até deixar solto uma vez para ver como ele se comporta, mas depois da primeira mordida ele deve voltar para jaula e permanecer lá. Depois disso, se quiser soltá-lo de novo você pode até fazer, mas antes deve alimentá-lo bem e usar uma coleira ou mesmo um calmante.
É muito fácil morrer de tesão quando se está no começo, agora como manter todo o fogo por 20 anos? Até um carro que você compra zero, novinho em folha, e que te deixa todo eufórico, depois de um tempo você só pensa em trocá-lo por outro carro novo. Então acho sim, sem nenhuma vergonha, que o amor é uma escolha. Claro, não é destituído de sentimento, mas ainda assim uma escolha. Uma escolha a longo prazo, eu diria. Sendo assim a sua analogia com o prédio foi perfeita, pois é isso mesmo que é o amor: algo que se constrói, e isso na verdade é perfeito, pois você pode escolher a estrutura e os detalhes do prédio, se você simplesmente compra um apartamento pronto, depois de algum tempo até a menor goteira te irrita profundamente, você não cria um sentimento de "isso é meu".
Enfim, belíssimo post. :D