É engraçado como condicionamos nossas buscas pessoais à infelicidade. Quando estamos supostamente felizes estagnamos, e esquecemos de todos os desejos da época de insatisfação. Fico as vezes em dúvida sobre isso, serão nossas reais vontades aquelas que temos quando estamos tristes ou quando estamos felizes?
A tristeza (e pode substituir essa palavra por insatisfação ou qualquer outro sentimento semelhante) nos faz egoístas. Quando tristes não pensamos em mais ninguém senão nós mesmos. Fuga é um ato de egoísmo. Assim como suicídio (ok, ele também é fuga), mas essa é outra história. A tristeza trás a tona o que temos de mais profundo, os desejos mais escondidos. Alguém que um dia some definitivamente não era feliz.
É certo que muita gente gostaria de sumir e não o faz por falta de coragem, mas ainda assim, continuo estando certa: Só pensar na fuga já caracteriza o desejo do escape, gerado pela insatisfação, mesmo que esse desejo não seja consumado.
O que acho estranho é o seguinte fato: Quando de repente, por um motivo qualquer que seja, ficamos felizes e satisfeitos de novo (mesmo que apenas em alguns aspectos da vida), o desejo de ir embora adormece. Daí começamos a colocar uma porção de barreiras na frente dele: As pessoas, o dinheiro, a rotina. Quando felizes, isso tudo vai se tornando motivo pra ficar (mesmo que continuem sendo motivo de insatisfação). E isso faz eu me perguntar: Será que a felicidade nos torna covardes? Porque basta ela acabar pra que pensemos de novo em ir embora.
No final, creio que o desejo de simplesmente ir seja apenas gerado pela insatisfação, como se um lugar novo pudesse nos fazer deixar todo o sofrimento pra trás e recomeçar. E esse é o motivo errado pra ir embora. Porque as nossas angústias continuam morando no peito, e a distância amortece a dor, mas não mata. Acabamos numa fuga incansável de nós mesmos, e é impossível fugir de si mesmo. Ir embora porque algo deu errado é como depositar toda a nossa esperança de futuro em alguém: Costumeiramente frustrante.
Durante períodos ruins, quis também ir embora pra longe. Já quis ir viver em fazenda hare krishna, em São Tomé das Letras, em Paraty, na Argentina e em mais incontáveis lugares. Já planejei, sozinha ou com alguém. Mas sempre que eu parava e pensava em ir embora como fuga, eu colocava a cabeça no lugar e dizia o seguinte pra mim: Que é bom ir embora tendo pra onde voltar. Não por medo de dar errado, mas por saber que você saiu bem, que você foi embora bem e pode voltar quando quiser ou precisar.
Uma vez eu vi num filme que de repente ficamos grandes demais, e já não nos sentimos mais em casa na casa dos nossos pais. Acho que sempre fui grande demais, porque nunca me senti em casa. Acho que sempre quis ir embora. Durante tempos quis pelos motivos errados, pra simplesmente fugir da bagunça que era a minha vida. Da tristeza que eu sentia por dentro. Ainda bem que não o fiz, porque hoje me sinto feliz por querer ir embora pelos motivos certos. Eu ainda quero a minha propriedade auto-sustentável no meio do nada, e os meus bichos e um pomar. Eu ainda quero um dia vagar por um tempo. Quero as mesmas coisas, mas hoje como sonhos possíveis, não como fugas.
Enfim, fiquei pensando muito nisso esses dias. Nisso e sobre depositar nossa esperança de futuro em outra ou outras pessoas. É um fardo pesado demais pra carregar, ser a esperança de futuro de alguém. Assim como é um peso muito grande pra dar pra uma pessoa, agir como se ela fosse sua esperança de felicidade. Minha mãe fez isso comigo a vida inteira, tentando enfiar na minha cabeça que eu tinha que "dar certo" na vida, em troca de todo o esforço que ela fez e de tudo que passou pra me criar. Durante bastante tempo me senti culpada por não querer o que ela queria que eu quizesse. Por não ter a ambição que ela gostaria que eu tivesse. Durante tempos me senti tudo que ela me dizia que eu era: Fraca, fracassada, idiota, ingênua. Hoje sei que o erro é dela, por colocar um peso tão grande nas minhas costas.
Eu entendo os motivos pelos quais ela gostaria que eu fosse todas as coisas que pensa que eu deveria. Mas mesmo entendendo os motivos, sei que não preciso acatar a opinião dela. Eu tenho a minha. Eu penso por conta própria. Eu nunca depositei esperança nenhuma em ninguém, porque sempre senti que era pesado e ruim. E depois de passar a vida com pessoas que faziam isso comigo, nunca quis fazer com ninguém. Meu ex namorado me fez por dois anos e meio acreditar que não podia viver sem mim. Se tornou um stalker dependente e chato, que me sufocava até o extremo. Ele me fez acreditar que eu não seria feliz sem ele, e que ele não seria feliz sem mim. Era um peso enorme, que deixava a vida toda pesada, e me fazia querer muito fugir, fosse com ele ou sem ele. Super frustrante.
Acho que as coisas que passamos na vida vão moldando nossos sonhos e desejos, mas talvez exista mesmo uma essência em cada um de nós que não muda com o tempo. Uma coisa qualquer lá no fundo que nos torna únicos, e que não mudaria fosse qual fosse nossa criação. Eu cresci sendo muito amada pela minha mãe, apesar de tudo. Mas eu vi ela se ferrar em uma porção de relacionamentos, eu a vi apanhar, a vi depender de pessoas das piores maneiras. E ainda assim eu sempre acreditei em relacionamentos, em casamento-feliz-pra-sempre. Em bodas de prata, ouro, diamante e o que quer que fosse mais valioso. Isso deve vir de dentro, não?
Eu sempre morei na cidade grande, mas sempre qus ir pro interior, e nas vezes que tive oportunidade, mesmo em viagens curtas, me senti extremamente feliz. Me senti inserida, contente, diferente do despertencimento que sentia na escola. Sem ninguém me dizer que seria melhor. Minha mãe me ensinou desde pequena que eu tinha que ser rica, independente financeiramente. Que não deveria casar, que casamentos são uma ilusão e nunca dão certo. Durante algum tempo (dos 5 aos 9 anos, mais precisamente), eu dizia a todos que casamentos eram uma coisa horrível, que eu ia viver sozinha e ser feliz. Apenas a reprodução do que eu ouvia (como toda criança faz, fato). A verdade é que desde que tomei consciência dos meus próprios pensamentos, eu acredito nas coisas mais frufru e bonitinhas que existem. Sempre quis uma vida simples, uma família, uma casa no campo e uma porção de amigos ao redor. E por isso tudo acredito realmente que cada um tem uma essência própria.
Retomando o início do texto, talvez ir embora esteja na essência de algumas pessoas. Mas penso mesmo que só vem a tona quando o desejo de ir continua mesmo quando elas estão felizes. Inconstância e insatisfação pra mim não tem relação. Talvez seja alguma coisa cigana por dentro, que impulsiona, que faz querer sempre ver mais lugares, conhecer mais pessoas. Uma inquietação sem tamanho, que não cessa simplesmente porque estamos bem. Pelo contrário, talvez em pessoas com essa essência a felicidade seja o combustível da mudança. E talvez eu seja assim. Eu só consigo ter vontade de seguir e mudar pra melhor quando estou feliz. Porque a tristeza só trás mesmo os motivos errados. E eu entendo que seguir/mudar são coisas diferentes de fugir.
Blah. Gente feliz não vai embora. Gente feliz flui por aí.
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