sábado, 15 de maio de 2010

Extremos

Eu me lembro de uns papos loucos, de um sonho que uma vez teve sobre um navio que voava, e como a varanda do museu histórico era igualzinha a parte de fora do tal navio. E a cara que fez contando era tão engraçada e avoada que até fotografei. Lembro das estátuas de lá daquelas bandas por trás do ccbb, e de como a gente brincava com elas e tirava fotos. Eu costumava tirar fotos de tudo, eu queria guardar tudo pra sempre. Eu tinha na verdade acabado de ganhar a câmera, e tinha alguém pra compartilhar a empolgação.

Eu me lembro de entrar num prédio só pra ir ao terraço, e de derramar guaraná no chão e rir. E lembro de entrar no cine íris só pra tirar fotos, e achar graça da cara dos funcionários. Eu me recordo de um domingo no municipal, e de correr e assustar os pombos. Lembro de uma exposição de fotos e ficar pensando em como era afinal o morro do castelo antes de ser posto abaixo.

Eu lembro de ver a Lapa amanhecer num dia de carnaval, e de ficar olhando os prédios antigos clareando. Lembro também de um dia que chorei por não entrar num show, e de tomar um porre de conhaque, whisky e fogo paulista. E de ser meio carregada pra casa aos prantos.

Eu lembro de entrar no centro cultural dos correios e de não gostar de lá, mesmo sem entender porque. E de andar pelo camelódromo e comprar óculos baratos. Lembro de vagar sozinha pelo centro, sem rumo, e entrar em qualquer prédio que me agradasse. E de los hermanos no fone, no último volume. E de outras tantas trilhas, pra outros tantos dias.

Eu me lembro sempre com carinho do centro. Um carinho que não tenho por lugar algum. Um amor tão enorme pelo meu lugar favorito. E agora eu termino a sexta feira num shopping center. Eu odeio shoppings. Odeio as crianças mimadas berrando, e os adultos que não se importam com a vida. Odeio os adolescentes pagando de adultinhos, mas esperando a mãe ir buscar no seu carrão, pra levá-los de volta aos seus grandes apartamentos, as suas vidinhas alienadas, vazias, cheias de merda. Eu odeio as vitrines, e o cheiro, e a moda, e o consumismo desenfreado e insano. Odeio saber que se gasta tanto dinheiro com diversão alguma. Porque eu terminei a sexta feira com dois amigos, e essa é a parte boa. Mas eu poderia estar bebendo com eles em qualquer outro lugar. E a gente gastaria bem menos e sairia muito mais alcoolizado. E a gente conversaria os mesmos assuntos e riria das mesmas besteiras.

Mas daí é sexta feira e a gente terminou no shopping. O meu centro agora está cheio dessas mesmas pessoas vazias e sem sal. E o chão cheirando a mijo da lapa convive agora com saltos altos e vestidos curtos. Mas não são as prostitutas, não são os travestis. São as mesmas patricinhas da barra, nos seus mundinhos pequenos e chatos, levando o seu vazio e a sua chatisse pro meu canto.

Eu me lembro da primeira vez que estive na lapa a noite. Eu tinha 14 anos e era carnaval. Eu calçava chinelos e meu cabelo estava desgrenhado, eu nem sabia que sairia. Eu me lembro das pessoas e que era o começo do fim. O começo desse modismo desenfreado, que levou pra lá os mesmos bares caros que tem no shopping. Que levou pra lá essas mesmas pessoas que tanto abomino. Nem de longe peguei os tempos áureos da Lapa, nem de longe convivi no ambiente que gostaria por lá. Mas mesmo assim eu respiro no centro um ar de nostalgia. Um ar de uma época que não vivi, mas que gostaria muito. Um ar de boemia, e de navalha, e de malandragem. Um ar de arte, de alcool, de tabaco. Um ar que nem de longe me lembra aquele que me sufoca nos templos modernos de consumismo.

No centro eu respiro um ar que faz de mim mais eu. Um ar que cada vez mais deixo pra trás. Eu agora, infelizmente, respiro o extremo.

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